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sexta-feira, 14 de setembro de 2007

" O que quer uma mulher?"


DAS BRUXAS À PSICOLOGIAClara Rossana Ferraro de Sá


Ou poderia ser das Trevas à Luz ?
Que tal inverter, voltar no tempo e buscar a luz anterior às trevas?
O mundo mágico, recanto das fadas ?
Iluminar o pequeno.
Encantar-se.
E a alma rejubila
Pingos de essência divina.
Sinta!
É amor.
Perceba!
Está dentro de você.
Existe,
a um só tempo
além de nós.
Nos Devaneios da Vontade, Bachelar nos diz que o feérico por essência,ultrapassa qualquer intuição: desloca sem cessar a admiração. O feérico,potência das fadas, nos insere no mistério do ser, na unidade do ser.
A beleza pronta a piscar e realizar um mundo mágico.
O Cosmos contido na varinha de condão.
O encantamento.
A magia não seria isso, o reencontro com a alegria de ser, de simplesmente existir?
A imaginação borbulhando sonhos de reencantamento do mundo?
Sonhos de unidade, visão transcendente de inteireza, potência e amor, outrora representados pela Grande Mãe.
No Egito, os Mistérios de Ísis, eram celebrados a partir de um ritual matutino e a cada hora uma celebração que só terminava na vigésima Quarta hora com a revelação dos mistérios quando as estrelas brilhavam no céu. A Grande Deusa era invocada e os segredos da vida revigorados, cultuados.
Na Antiga Grécia as crianças de 5 a 15 anos frequentavam o Gymnasiun para cantar,dançar e ouvir os mitos. A educação era para o ser. Primeiro a vida, a alegria, o mistério. Estava presente a imagem de Terpsícore,a musa que preside a dança, aquela que rejubila nos coros, que obtém satisfação plena do desejo, que tem prazer em divertir-se e alegrar-se. A orientação do grupo era da responsabilidade do Misterólogo, o iniciado nos mistérios.
O que aconteceu com esta integração, como se deu o distanciamento desta sensação de plenitude, unidade e encanto?
O que aconteceu na história da consciência humana?
Admirar, contemplar, amar, compartilhar, ser, existir, são verbos do arquétipo do feminino. Desgastados e quase esquecidos pela humanidade enquanto realizou o desenvolvimento do masculino. Uma necessidade que se cumpriu e agora pede o retorno da deusa, desta força do feminino, para que se restaure a unidade do ser, a vida e o sentido de viver. Faz-se necessário o reencontro com a natureza, a harmonia consigo mesmo, a conexão com a fonte de vida.
O conflito entre os deuses patriarcais e a deusa mãe foi se intensificando e os cultos à ela foram se dispersando ou sendo assimilados distorcidamente. Dioniso,deus do êxtase e do entusiasmo, do abandono aos poderes da natureza; Pã , expressão do espírito da natureza selvagem ; Afrodite, deusa do amor, da união sexual, mãe de Eros; tornaram-se objetos da repressão cristã e reapareceram mesclados na imagem do diabo. Suas funções psicológicas submergiram nas profundezas do inconsciente. E a sensação intrínseca de confiança em pertencer à Grande Mãe Natureza deixou de existir reaparecendo séculos após nos sintomas das histéricas de Freud . Corpo, sexualidade e inconsciente/natureza emergem da escuridão para serem reintegrados. E neste fim de milênio as depressões que afligem a alma humana clamam pela busca de sentido, valor principal do arquétipo maior. Mergulhada na morte, a alma contesta os valores esquecidos, exige reflexão em redescobrir os mistérios femininos ligados ao ciclo vida – morte – vida e encaminha para a elaboração da morte simbólica. Faz repensar a questão espiritual , o ser criativo recriando-se, regenerando-se, curando-se dos excessos de violência e agressividade a que a humanidade se submeteu em prol do desenvolvimento da razão.
Nos estudos feitos por Rose Marie Muraro podemos observar a relação homem / natureza / cultura onde na cultura de coleta e de caça aos pequenos animais não havia a necessidade da força física para a sobrevivência e a mulher ocupava o espaço central. Pelo poder de dar a vida, era um ser sagrado. Nesta sociedade não havia desigualdade e o feminino e o masculino governavam juntos.
A supremacia masculina inicia-se na sociedade de caça aos grandes animais. Porém a mulher continua sendo um ser sagrado. Eles não conheciam a função masculina na procriação.
Nestas sociedades cooperativas não havia coerção, ou centralização e sim rodízio de lideranças e as relações homem/mulher eram fluidas, a perda de contato com Eros , o princípio de ligação, aquele que une, relaciona,faz o amálgama, ainda não ocorrera. A agressividade que encontra em Eros seu eterno antagonista só imperava em relação à sobrevivência.
Na medida em que o Pátrio Poder se desenvolve e a lei do mais forte se instala, o uso da agressão se impõe nas relações humanas gerando competitividade, poder, conquista, luta pela posse de um território, guerras. Surge a questão da herança, institui-se o casamento. E a posse sobre a mulher, sua sexualidade, prazer e direito à própria vida se concretiza. Ao dominar a função biológica reprodutora o homem passa a controlar a sexualidade feminina. O poder cultural passa a desenvolver-se em oposição ao poder biológico nato na mulher. A vulnerabilidade permeia a função de parir, a mulher se inferioriza , torna-se dependente e o homem trabalha e domina a natureza.
Nesta escalada do poder a Igreja coloca no sexo o pecado supremo e o poder fica imune à crítica. A Inquisição tem a brilhante idéia de colocar o prazer ligado à fé. A transgressão sexual enredada à transgressão da fé. Normatizam a sexualidade e o prazer. A sensualidade, a intuição, a magia e todas as qualidades relacionadas à plenitude do ser caem na sombra.
Em 1484 foi escrito o Malleus Maleficarum, um código base para o puritanismo. O corpo foi amaldiçoado. A culpa se instalou no íntimo do ser, e passa a controlar a sexualidade até a sua quase abstração.
O conhecimento totalizante que integra inteligência e emoção, corpo e alma, o conhecimento feminino em sua essência ou o que restou dele esconde-se nas brumas. Milhares de mulheres que detinham esse conhecimento foram queimadas vivas. Principalmente as parteiras acusadas de matar os recém-nascidos para entregá-los ao diabo.
Através do julgamento e acusação de heresia a Igreja confiscou bens e aumentou seu patrimônio. Instituiu a lei do celibato, uma forma de preservar a riqueza adquirida em nome de Deus.
O Mal, questão que sempre ocupou a humanidade, principalmente os teólogos, está agora determinado. A Igreja parte à procura do anti-cristo, anuncia o juízo final que seria o fim do mal na terra. A divisão está completa. Define-se o que pertence ao bem e ao exército de Deus e o que pertence ao mal, ao exército do diabo.Os demônios são ordenados hierarquicamente, dependendo do bem intrínseco. Satã, significa adversário. Diabolus,vem de dia,dois e de bolus,partes : pois que o diabo mata em duas partes,corpo e alma. Do grego,diabolus significa confinar na prisão, ou queda, já que ele caiu dos céus. O verdadeiro diabo da fornicação, o soberano daquela abominação é Asmodeus, que significa a criatura do juízo e da punição por que em virtude deste pecado uma terrível catástrofe abateu-se sobre Sodoma. Belzebu é o demônio dos iníquos,das almas dos pecadores que abandonaram a fé verdadeira em Cristo.
Os sete pecados capitais : orgulho, ira, inveja, preguiça, luxúria, gula, avareza, precisam ser purgados para se chegar ao Paraíso. O mundo dos instintos transforma-se no fogo do Inferno. A relação com a Mãe Terra é totalmente desvalorizada. Todos os tesouros estão no Céu. A razão, a luz, o bem estão representados no lado direito do corpo e acima da cintura. O umbigo, Ômphalus- em grego significa centro do mundo; marca a divisão. Abaixo não existe Deus, só o pecado e o mal.
" Para a Igreja, o sofrimento e a aniquilação provisória do corpo são menos temíveis do que o pecado e o inferno. O homem nada pode contra a morte mas, com a ajuda de Deus, lhe é possível evitar as penas eternas."
"A morte é certa, só o tempo é incerto."
Uma pedagogia religiosa é implantada para atingir o cristão e conduzi-lo à penitência.
Através de um inventário dos males, verificaram quem tinha medo e do que tinham medo. Generalizaram estes medos e chegaram a seus agentes : Satã, os turcos, os judeus, os heréticos e a mulher, especialmente as feiticeiras.
Assim o medo teológico substitui o medo visceral e espontâneo próprio da angústia de viver e se descobrir humano.
Para Kierkegaard (1844) "a angústia é símbolo do destino humano, a expressão de sua inquietação metafísica. A contra- partida da liberdade sendo então a característica da condição humana e o peculiar de um ser que se cria incessantemente."
Porém o acúmulo de agressões que atingiu o Ocidente entre 1348 até o início do séc.XVII, incluindo o terror à Peste Negra que aniquilou comunidades inteiras, criou um abalo psíquico profundo e ameaçou desagragar toda uma sociedade. Impotência, fobias, inadaptações, desespero, negatividade, regressão do pensamento e da afetividade e principalmente o temor a Satã, marcaram a história deste Ocidente dividido e sem o contato com o feminino regenerador.
A sabedoria da Psique, equilibrou paralelamente a totalidade, orientando o homem para uma relação estreita com a matéria, origem do Hermetismo e da Alquimia. E um saber interior é gerado nas entranhas da matéria. Nasce o homem interior. O espírito é procurado na matéria, na massa difusa e através de várias operações encontra o ouro alquímico, a pedra filosofal,que é obtida na conjunção dos opostos, feminino e masculino se unem novamente em um casamento místico.
Também na Igreja inicia-se o reencontro com a matéria, com a natureza, através do santo dos santos, São Francisco de Assis, nosso santo ecológico. Na mesma época surge Giotto, trazendo para a pintura os elementos da natureza e a perspectiva.
Inicia-se a desrepressão do feminino no exato momento em que o poder masculino domina a terra violentamente.
Na beleza da simultaneidade , em plena idade média, nasce um mito para nos guiar e trazer a resposta, a solução para o conflito. É uma história de Arthur , recontada por Robert Johnson em seu livro Feminilidade, Perdida e Reconquistada.


A questão central é a pergunta : o que realmente quer uma mulher?


" Arthur quando jovem foi apanhado caçando ilicitamente nas florestas do reino vizinho, sendo aprisionado pelo rei. Ele podia ter sido morto imediatamente, pois este era o castigo por transgredir as leis de propriedade e de posse. Mas o rei vizinho, comovido pela juventude e simpatia do rapaz, ofereceu-lhe a liberdade com a condição de que encontrasse a resposta para uma pergunta muito difícil no prazo de um ano. A pergunta: Que realmente quer a mulher? Isto atordoaria o mais sábio dos homens e parecia insuperável para o jovem. Era melhor, porém, ser enforcado, e assim Arthur voltou para casa e se pôs a perguntar a todos que encontrava no caminho. Prostituta e freira, princesa e rainha, sábio e bobo da corte, todos foram inquiridos, mas ninguém conseguiu dar uma resposta convincente. Cada um deles avisou, no entanto, que havia uma pessoa que saberia a resposta, a velha bruxa. O custo seria muito alto,pois era proverbial no reino que a velha bruxa cobrava preços exorbitantes por seus serviços.
Chegou o último dia do ano e Arthur finalmente viu-se obrigado a consultar a velha. Ela concordou em fornecer a resposta satisfatória, mas o preço deveria ser discutido primeiro. E o seu preço era casar-se com Gawain, o cavaleiro mais nobre da Távola Redonda e o amigo íntimo de Arthur. O jovem fitou a velha bruxa horrorizado : ela era horrorosa, tinha um dente só, cheirava tão mal que enojaria até um bode, emitia sons obscenos e era corcunda. Enfim, a criatura mais detestável que já vira. Arthur tremeu diante da perspectiva de pedir a seu grande amigo que assumisse este terrível fardo por ele. Mas Gawain, ao saber do trato, assegurou a Arthur que isto não era pedir demais para salvar a vida de seu companheiro e ainda preservar a Távola Redonda.
O casamento foi anunciado e a velha bruxa revelou sua sabedoria infernal : "Sabe o que realmente quer a mulher ? Ela quer ser senhora de sua própria vida!

Todos reconheceram na hora a grande sabedoria feminina e o Rei Arthur estava salvo. Ao ouvir a resposta, o soberano vizinho sem hesitar concedeu-lhe a liberdade.
Mas e o casamento? ! A corte toda presente, e ninguém estava mais dividido entre o alívio e a tristeza que Arthur. Gawain portou-se com cortesia, delicadeza e respeito. A velha bruxa exibia o seu pior comportamento, devorava a comida do seu prato com as mãos, emitia horrendos grunhidos e cheiros pavorosos. Até então a corte de Arthur jamais se havia sujeitado a tamanha tensão. A cortesia prevaleceu e o casamento se realizou.
Puxaremos uma cortina de prudência sobre a noite de núpcias, com exceção de um momento espantoso. Quando Gawain, preparado para o leito nupcial, esperava sua noiva, ela apareceu na forma da moça mais linda que um homem pudesse desejar! Gawain estupefato perguntou o que tinha acontecido. A moça respondeu que como Gawain a tinha tratado com gentileza, ela lhe mostraria sua aparência horrenda durante a metade do tempo e sua aparência graciosa na outra metade : qual delas ele escolhia para o dia e qual para a noite? Que pergunta mais cruel a ser colocada para um homem! Gawain fez os cálculos rapidamente. Será que ele queria uma linda jovem para mostrar durante o dia , quase todos os seus amigos a veriam, e uma bruxa horrenda à noite na privacidade do seu quarto, ou queria uma bruxa durante o dia e linda nos momentos íntimos? O nobre Gawain respondeu que preferia que sua noiva escolhesse por si mesma. Com isto, ela anunciou que seria a bela donzela para ele tanto durante o dia como de noite, já que ele demonstrara respeito por ela e concedera-lhe soberania sobre sua própria vida."
Carlos Byington nos alerta que : "a repressão da mulher e o ataque a ela como bruxa, devido à projeção nela dos arquétipos da Grande Mãe e da Anima, necessitam ser compreendidos junto com a histeria, que é uma quadro patológico formado basicamente pela disfunção dos arquétipos Matriarcal e de Alteridade. As características desses arquétipos de intimidade, fertilidade, exuberância do desejo, da imaginação, da clarividência esotérica e da expressividade emocional, quando feridas dão margem ao entrincheiramento desses arquétipos numa luta de poder expressa pela magia destrutiva, pela dramatização e sugestibilidade descontroladas, pela fantasia mentirosa, pela agressividade vingativa desproporcional, pelo congelamento das reações afetivas, pelas reações através de sintomas físicos e pela falsidade voluntária."
Assim o caldeirão da bruxa cozinha poções de vingança por uma vida nãovivida, não integrada.
Na origem, as poções feitas em caldeirões eram benéficas. O caldeirão é símbolo de fertilidade e prosperidade. Tanto ele, quanto o vaso alquímico são variantes do mesmo talismã mágico, o Santo Graal. Concedem a eterna juventude. A cocção dentro de um caldeirão é a operação mágica destinada a conceder a imortalidade àquele que sofre a provação. A força mágica reside na água. Para os celtas existiam três tipos de caldeirão : o do deus druida Dagda, um caldeirão de abundância e saciedade. O caldeirão da ressurreição onde jogavam os mortos para renascerem no dia seguinte. E o sacrificial onde os reis depostos se afogavam.
O simbolismo do Graal é análogo ao da cornucópia, além do poder de iluminar ( iluminação espiritual) e fazer invencível, simboliza a plenitude interior que os homens sempre buscaram. A exigência de interioridade que poderá abrir a porta da Jerusalém Celeste na qual resplandece o divino cálice.
"a perfeição humana se conquista não a golpes de lança como um tesouro material, mas por uma transformação radical do espírito e do coração. " E a imagem viva do Graal é Jesus Cristo., em sua mensagem de Amor.
Usado no culto à Grande Senhora da Lua, O Graal continha a água do poço sagrado e num coro ritualístico as sacerdotizas faziam refletir a luz da lua na limpidez da água e celebravam a natureza, a vida e os ciclos eternos, o ir e o vir.
É necessário um retorno ao Eros, à Quarta função ausente na cultura ocidental, a função sentimento com sua característica principal de valorar e dar sentido à vida para que a mensagem de Cristo seja vivida entre os homens.
O mal precisa ser elevado à consciência, pessoal e coletiva, para tornar-se fonte de criatividade.
A feiticeira, que é a antítese da mulher idealizada, símbolo das energias criadoras instintuais, não domesticadas e não disciplinadas precisa ser ouvida. A integração desta sombra tráz de volta a mulher selvagem, que segue seu instinto de preservação, que possui sua energia vital, sexual, que fareja o perigo, que intui a cura e sabe o que a alma está pedindo, que sabe aplacar o sofrimento e pode transmitir o dom da vida.
Esta integridade faz a ponte para a transcendência. É a mulher novamente apresentando-se como agente de mudança para uma nova etapa no desenvolvimento da consciência humana.
BIBLIOGRAFIA
BACHELARD, Gaston – A Terra e os Devaneios da Vontade – SP/1991, Ed. Martins Fontes.

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